MP recomenda suspensão de decreto que autorizou muros em condomínios dentro de APA: 'Evitar danos de difícil reparação'
15/10/2024
Despacho publicado no dia 27 de setembro permitiu o fechamento do condomínio em Campinas. Prefeitura diz que decisão judicial aprovou o empreendimento. Loteamento fica no distrito de Sousas, em Campinas, às margens do Rio Atibaia
Reprodução/Google
O Ministério Público Estadual (MP-SP) recomendou que a Prefeitura de Campinas (SP) suspenda por 180 dias o decreto que autorizou a construção de muros na parte do empreendimento com três condomínios, no distrito de Sousas, que fica em uma Área de Preservação Ambiental (APA).
Segundo o MP-SP, a suspensão é necessária para permitir a conclusão do inquérito, instaurado em novembro do ano passado, que apura a legalidade do despacho do município, também alvo da recomendação, que fixou um novo zoneamento urbano dentro do loteamento. Entenda abaixo a controvérsia.
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A recomendação foi endereçada ao prefeito Dário Saadi, ao secretário de Planejamento Marcelo Coluccini e à secretária de Urbanismo Carolina Baracat. No documento, a Promotoria afirma que, em caso de não atendimento ao pedido, poderá ajuizar Ação Civil Pública ou de improbidade administrativa.
Procurada pelo g1, a Prefeitura de Campinas afirmou que já foi notificada e vai analisar se a recomendação não afronta a decisão judicial que aprovou o empreendimento. "O assunto já havia sido objeto prévio de questionamentos pelo MP, tendo sido então enviados todos os esclarecimentos pedidos à Administração Municipal". (Ver nota na íntegra ao final desta reportagem)
"Para que fosse garantida a proteção da área verde e da fauna do local, por se tratar de ocupação em área de APP e levando em conta a legislação de manejo da APA Campinas, foram feitas vários condicionantes pela Secretaria Municipal do Clima, Meio Ambiente e Sustentabilidade sobre como realizar o fechamento ao se manifestar no processo de aprovação solicitado pelo Ville Saint Anne", diz trecho da nota da Prefeitura.
Segundo a Prefeitura, o Conselho Gestor da APA Campinas (Congeapa) foi consultado pela Administração Municipal quanto ao processo de fechamento do loteamento em 14 de março de 2024 e não apresentou novas condicionantes e exigências sobre a questão.
Recomendação
O decreto que autorizou o fechamento do empreendimento foi publicado no dia 27 de setembro deste ano no Diário Oficial do Município e, de acordo com a recomendação, fotos anexadas ao procedimento apontam que, desde então, o empreendimento "estaria ampliando, de forma acelerada, as obras de fechamento do loteamento, com construção de portarias e muros de perímetro".
"A permissão da continuidade de obras de fechamento do loteamento pelo empreendimento, sem a solução final a respeito da sua efetiva possibilidade, é contrária ao interesse público e, em última análise, ao interesse do próprio loteador, já que, na hipótese de caracterização de impossibilidade de fechamento murado, será necessário o desfazimento de todas as construções realizadas", diz trecho da recomendação.
Por isso, o Ministério Público recomenda que a Prefeitura:
Suspenda o despacho que fixou um novo zoneamento urbano na área do empreendimento que fica em área de preservação e também o decreto que permitiu o fechamento do loteamento;
Notifique o Ville Sainte Anne sobre a ausência de autorização para a construção de obras de fechamento dos residenciais "La Colline", "Le Champ" e "La Montagne;
Fiscalize as obras dos três condomínios "embargando possíveis obras de portaria e fechamento murado do perímetro dessas áreas, que deverão ser paralisadas até eventual autorização".
"Os destinatários (prefeito e secretários) devem comprovar o atendimento das medidas recomendadas no prazo máximo de 15 dias, a contar do recebimento desta recomendação", diz a recomendação assinada pelo promotor de Justiça Daniel Zulian.
O lotamento não é alvo da recomendação. Ao g1, o Ville Sainte Anne informou que o empreendimento foi regularmente aprovado em 2019, de acordo com todas as legislações municipais, estaduais e federais, e por decreto que estabeleceu os parâmetros para ocupação e infraestrutura.
"A empresa reforça seu compromisso e lisura em seguir com todo o rito legal para execução de todas as etapas do empreendimento, que está de acordo com o cronograma de obras aprovado com entrega prevista para dezembro deste ano".
Divergências entre secretarias
Publicação no Diário Oficial do Município fixou novo zoneamento na área do condomínio
Reprodução/DOM
O inquérito do MP-SP, onde foi expedida a recomendação, foi aberto para apurar a legalidade de um despacho da secretária Carolina Baracat que fixou como Zona Residencial (ZR), e não mais Zona de Proteção de Mananciais, a parte rural do loteamento Ville Saint Anne, abrindo caminho para a construção de muros.
No despacho, a secretária justifica que tratar a parte rural do empreendimento como urbano é "o mais indicado mantendo a coerência com os parâmetros urbanísticos do restante do loteamento".
O despacho veio depois de outra secretaria, a do Verde, ter afirmado, em parecer técnico, que é proibida a construção de muros na parte do loteamento que está em uma Zona de Proteção de Mananciais.
O procedimento aberto pela Promotoria citava as manifestações discordantes dentro da prefeitura e apontava a necessidade de uma apuração mais aprofundada sobre as denúncias que chegaram ao órgão.
"[O MP] instaura o presente Inquérito Civil (IC), para apurar ilegalidades praticadas pelo Município de Campinas em alterar o zoneamento aplicado em local de APA por simples despacho, sem observância dos procedimentos legais", diz portaria da promotora.
Secretário do Verde admite divergência com equipe técnica de Urbanismo
Durante reunião do Conselho Gestor da APA Campinas, em agosto de 2023 o secretário do Verde, Rogério Menezes, admitiu a divergência entre as equipes das secretarias do Verde e de Urbanismo e afirmou que o prefeito Dário Saadi faria a mediação desse conflito. Assista no vídeo acima.
"A secretaria do Verde mantém seu posicionamento técnico de que nós entendemos que não é possível o fechamento em área de preservação de mananciais", disse à época.
Procurada pelo g1 à época, a Prefeitura de Campinas negou que houve alteração do zoneamento e afirmou que não há discordâncias entre as Secretarias do Urbanismo e do Verde uma vez que a Secretaria de Justiça, a partir de uma determinação judicial, pacificou o entendimento sobre o caso.
"A Prefeitura reitera que não há conflito entre as pastas, que essa fala do secretário do Verde em reunião do Congeapa é anterior a um parecer da Secretaria Municipal de Justiça que atendeu uma decisão judicial que entendeu que o loteamento é regular".
Pedido de construção do muro
Foto aérea do empreendimento em Sousas
Reprodução/TJSP
O pedido de construção de muros em 4 perímetros na área de APA foi feito pelo loteamento Ville Sainte Anne, que está construindo no distrito de Sousas quatro condomínios de casas: o residencial Le Jardin, o residencial La Colline, o residencial Le Champ e o residencial La Montagne.
O pedido foi submetido à Secretaria do Verde e Meio Ambiente de Campinas, que solicitou um parecer técnico ambiental considerando que parte do loteamento está em área rural e parte está na área urbana de Campinas.
No parecer técnico de 2022, assinado pela servidora Alethea Peraro, a secretaria do Verde afirma que o Plano de Manejo da APA de Campinas proíbe a construção de muros em Zonas de Proteção de Mananciais e que, por isso, em três dos quatro residenciais não é permitido o fechamento.
Veja o que dizia o parecer:
Le Jardin: está todo em zona urbana e, por isso, o fechamento do condomínio é admissível desde que utilize alambrado ou cerca viva no contato entre eventual Área de Preservação Permanente (APP) e o empreendimento.
La Colline: tem parte inserida em perímetro urbano, mas a maior porção estava em Zona de Proteção de Mananciais (área rural), portanto, o fechamento não é permitido.
Le Champ e La Montagne: estão totalmente inseridos na Zona de Proteção de Mananciais e, por isso, o fechamento é vedado.
Plano de manejo
O plano de manejo não permite o fechamento em zona de preservação de mananciais porque entende que os muros impedem a passagem de fauna e, com isso, o acesso dos animais aos alimentos. Além disso, reduz a dispersão de sementes, importante para a manutenção da biodiversidade.
Nota da Prefeitura na íntegra
A Prefeitura de Campinas foi notificada pelo Ministério Público e vai analisar se a recomendação não afronta decisão judicial que levou à aprovação do loteamento Ville Sainte Anne. O assunto já havia sido objeto prévio de questionamentos pelo MP, tendo sido então enviados todos os esclarecimentos pedidos à Administração Municipal.
Importante destacar que a aprovação do empreendimento é de 2019 e que não houve alteração do zoneamento, mas a definição de parâmetros urbanísticos de antiga área rural incorporada à área urbana, de acordo com a Lei 8161/1994, a qual fundamentou a aprovação do loteamento residencial. Neste sentido, foram atribuídos os parâmetros urbanísticos de área residencial urbana ao loteamento, seguindo a legislação do entorno.
Ressalta-se ainda que o empreendimento teve decisão judicial favorável que permitiu o decreto de aprovação do loteamento.
Com base nesta lei (8161/1994), um imóvel que tivesse um trecho em zona urbana e parte da zona rural, poderia incorporar todos parâmetros da urbana, desde que essa fosse de pelo menos 70%. Com base nisso, o trecho do Ville Sainte Anne que era rural passou a ser integralmente urbano. O Decreto nº 20.531/2019, que aprovou o loteamento, parte desta legislação.
O Congeapa foi consultado pela Administração Municipal quanto ao processo de fechamento em 14 de março de 2024 e não apresentou novas condicionantes e/ou exigências sobre a questão.
Para que fosse garantida a proteção da área verde e da fauna do local, por se tratar de ocupação em área de APP e levando em conta a legislação de manejo da APA Campinas, foram feitas vários condicionantes pela Secretaria Municipal do Clima, Meio Ambiente e Sustentabilidade sobre como realizar o fechamento ao se manifestar no processo de aprovação solicitado pelo Ville Saint Anne.
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